Água doce no século XXI: serviço público ou mercadoria internacional?

Na semana passada escrevi um artigo aqui para o Blog falando sobre o projeto de Lei sobre o novo código Florestal Brasileiro aprovado na comissão especial da câmara dos deputados na última semana. E que agora deve seguir para votação no plenário daquela casa. Isso e se as eleições deste ano permitirem Um assunto bastante polêmico que vem agitando a bancada ruralista em Brasília e deixando os ecologistas de cabelo em pé. Propondo absurdos como a redução de áreas de preservação permanente na beira de rios e mananciais entre outras coisas ainda anistia aos produtores rurais com áreas menores de 4 módulos rurais multados e até mesmo desobrigando-os a recompor áreas de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente.

Por acaso também na semana passada li um Post interessante no Blog “uma malla pelo mundo” na qual a autora, Lúcia Malla, comenta sobre o livro “Thirst” “Fighting the corporate theft of our water” que caiu em suas mãos de para-quedas tratando sobre o assunto do gerenciamento e administração pública da água.

Lendo este Post lembrei que minha amiga Maria Lúcia Brzezinski que foi comigo para a Alemanha com uma bolsa do DAAD para um curso na Alemanha no início de 2005. Fez sua dissertação de mestrado e está terminando o seu doutorado sobre o tema. Sua dissertação de mestrado acabou de virar um livro e gostaria de usar este espaço para divulga-lo.

Trata-se do Livro: Água doce no século XXI: serviço público ou mercadoria internacional? Da editora Lawbook. O qual tomei a liberdade transcrever parte de seu prefácio, elaborado pelo Professor Doutor Aragon Érico Dasso Júnior da Universidade do Estado do Rio Grande do Sul. Uma obra que interessa não apenas ao direito ambiental, mas também a todos nós brasileiros. Uma vez que nosso país conta com uma das maiores reservas de água potável do planeta, somos co-responsáveis pelo seu gerenciamento.

Água doce no século XXI: serviço público ou mercadoria internacional? é uma obra que analisa a questão da água e do serviço público de abastecimento de água em um contexto da liberalização do comércio e da mercantilização de muitos aspectos da vida humana. […]

A autora não se submete ao “pensamento único” do “ultraliberalismo”, fundado em conceitos-chave, tais como: “o econômico prevalece sobre o político”; “o capitalismo é o estado natural da sociedade”; “a democracia não é o estado natural da sociedade, mas o mercado sim”; “a desregulamentação”; “a privatização”; “a liberalização”, etc. Esse discurso, repetido incansavelmente, tomou ares de pensamento hegemônico e intimida qualquer tentativa de pensamento livre. Esquece-se, entretanto, que nenhum Estado “subdesenvolvido” que seguiu o receituário ultraliberal, sob a égide da globalização capitalista, resolveu os problemas de concentração de renda e, consequentemente, de desigualdade social. A autora não desconhece o poder desse pensamento hegemônico, ao contrário, ela o reconhece e o enfrenta, propondo uma interpretação contra-hegemônica, ao afirmar que a água é direito fundamental do cidadão e não deve servir à lógica do mercado internacional.

A perspicácia também está presente quando a autora questiona o papel que deve cumprir o Direito nesse contexto, em particular no que se refere à tarefa do jurista. A obra questiona as evidências, recusando “noções ou teses com as quais se argumenta, mas sobre as quais não se argumenta”, recordando Pierre Bourdieu. Em uma sociedade dividida em classes, movimentos, ou até corporações e estamentos, como a brasileira, não há como desconhecer que há uma classe dominante que usa o Direito como instrumento de dominação ideológica, com a função de ocultar a dominação política e a exploração econômica sobre as classes dominadas. A partir dessa constatação, reconhecendo que não existe neutralidade dentro do Direito e que o mesmo possui função ideológica, reconhece-se também que, na sociedade brasileira contemporânea, diversos conceitos jurídicos visam respaldar o modo capitalista de produção defendido pela classe dominante. Maria Lúcia tem consciência do papel que cumpre ao Direito e não foge ao debate. O Direito é ciência jurídica, mas é, sobretudo, ciência social.

A sensibilidade é outro elemento protagonista na obra, pois a escolha do tema denota a relevância que o mesmo tem para a cidadania brasileira. A crise hídrica é atual, real e dramática. Na esteira dessa crise, surge uma insólita proposta: desmantelar o Estado e os serviços públicos, fortalecendo os argumentos pela liberalização dos serviços de abastecimento de água. Tudo isso, balizado por uma das suas principais fontes que é a negociação sobre comércio de serviços no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Entre todos os setores que sofreram os impactos desse novo contexto mundial, seguramente foi a Administração Pública quem passou pelas transformações mais radicais. Existe, hoje, um legado recente de mais de duas décadas de experiências nacionais de formulação e implementação de políticas e programas nacionais de reformas do Estado.

Ademais, raros são os casos de países que não implementaram programas nacionais de ajustes do papel do Estado a partir do final dos anos 1970 e ao longo das décadas de 1980 e 1990. Esses processos de ajustes, impostos pela globalização e que tiveram como fundamento teórico o ultraliberalismo, foram assumindo, progressivamente, uma natureza comum e tendo uma agenda convergente, na qual existem problemas, instrumentos e objetivos semelhantes a serem enfrentados pelos Estados e governos. […]

É nesse contexto que se insere o paradoxo brasileiro: o país conta com grande disponibilidade hídrica, o que não impede que parcela significativa de seus cidadãos não possua acesso à água potável. E assim se explica, por exemplo, que o Brasil seja um grande exportador de água virtual, ou seja, de produtos cuja fabricação depende de muita água. A autora, ao longo da obra, trata de desvendar a organização desse pensamento hegemônico, quando deixa evidente que tal situação corre o risco de se agravar com as negociações sobre o comércio de serviços, no âmbito da OMC. […]

Enfim, que livro é este e quem poderá dele fazer bom uso?
Trata-se de um belo e sólido texto de análise, cujo objeto são instituições e conceitos que se revelam cruciais para a cidadania brasileira. Interessa, portanto, não apenas ao jurista ilustrado, mas também ao cidadão comum.

Por todas estas razões, o livro de Maria Lúcia Navarro Lins Brzezinski é extremamente bem-vindo. Sua leitura instigante permite esclarecer a questão da água no mundo contemporâneo e contestar a inadmissível concepção de que a água deve estar submetida à lógica do mercado. Assim, por todos os motivos já expostos, é uma honra prefaciar a presente obra. Foi uma agradável tarefa e que muito me gratificou, pois a mensagem contida neste livro é clara e evidente: há valores e direitos que não podem e não devem ser objeto de comércio. A água é um deles.

Professor Dr. Aragon Érico Dasso Júnior
Universidade do Estado do Rio Grande do Sul

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2 Comentários

  1. avatar
    Posted by Claudia Liechavicius| 16/07/2010 |Responder

    Oscar quanta versatilidade. Esse blog muda de shape toda hora. Agora ficou super profissional e facilitou a leitura.
    Gostei da mudança.
    Claudia

    • avatar
      Posted by Mauoscar| 19/07/2010 |Responder

      Obrigado Cláudia

      Ando testando outros layouts para deixar o Blog com uma aparencia melhor e aindea facilitando a leitura!! Agora da forma que ele está agora deverá ficar um bom tempo..
      E ai tudo pronto para sua viagem a Cingapura mes que vem? Se precisares de alguma dica ou tiveres alguma duvida só me escreva que terei o maior prazer em ajudar
      Oscar

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